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19 de Abril de 2024
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    Financiamento de imóvel atrasado, porém quase pronto para o lançamento? Alienação fiduciária. Adimplemento substancial. Rescisão. Lucros cessantes. STJ.

    adam.a.c.a.institucional@gmail.com

    Publicado por Adam Telles de Moraes
    há 4 anos


    Caso hipotético (questão de direito civil, da última prova oral para o cargo de juiz de direito substituto do PJEBA):

    Tarcísio celebrou, em março de 2015, contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, em regime de incorporação imobiliária, com determinada vendedora/construtora, tendo sido pactuado que a entrega do imóvel ocorreria em março de 2017, com a possibilidade de prorrogação desse prazo por até cento e oitenta dias. Em novembro de 2018, como o imóvel ainda não havia sido entregue por culpa exclusiva do promitente vendedor, Tarcísio ajuizou ação para rescindir o contrato de promessa de compra e venda, por inadimplemento contratual. Entre outros pedidos, requereu, (i) a declaração da rescisão, (ii) a restituição integral das parcelas já pagas e (iii) a indenização a título de lucros cessantes, porque sua pretensão era passar a residir em imóvel próprio para deixar de pagar aluguel. Em contestação, a ré sustentou não ser cabível a rescisão do contrato, pois adimpliu substancialmente a obrigação contratada, uma vez que, quando o autor ingressou com a ação, a edificação estava 94,5% concluída. Argumentou que, mesmo que se entendesse pela possibilidade da rescisão, o pedido de restituição das parcelas pagas não deveria ocorrer de forma integral, mas com retenção de 10% a 25% dos valores, para justa indenização dos prejuízos decorrentes da resolução contratual. Sustentou, também, que os lucros cessantes não haviam sido demonstrados pela apresentação de contrato de locação ou outro documento que indicasse que o autor gastou com alugueres em razão da não entrega do imóvel.

    Considerando a jurisprudência do STJ, redija um texto respondendo, de forma justificada, aos seguintes questionamentos, acerca da situação hipotética apresentada.

    1 A teoria do adimplemento substancial deve ser aplicada nesse caso, haja vista a alegação da ré de que a edificação estava 94,5% concluída quando Tarcísio ajuizou a ação? Em sua resposta, aborde o conceito dessa teoria e os requisitos jurisprudenciais para sua aplicação.

    2 Conforme a sistemática de perdas e danos estabelecida no Código Civil, qual é a natureza jurídica — fundamento jurídico e legal — do pedido de restituição das parcelas pagas por Tarcísio? No caso, conforme entendimento do STJ, qual deverá ser a extensão (integral ou com abatimento) de restituição perseguida?

    3 Mesmo Tarcísio não tendo juntado aos autos comprovante que indicasse o gasto que teve com alugueres, os lucros cessantes ainda assim serão devidos, de acordo com o entendimento do STJ?

    Conclusões (as quais podem ser o seu caso):

    A respeito das questões abordadas pelo caso concreto, cumpre dizer, em primeiro lugar que, nos últimos dias do ano de 2018, posteriormente, inclusive, ao ajuizamento da ação pelo promitente comprador, teve lugar a edição e publicação da Lei nº 13.786/18, a qual incluiu três importantes artigos na Lei nº 4.591/64, que tratam, entre outras coisas, de alguns dos assuntos objeto presentemente de questionamento.

    Tal lei veio, exatamente, na esteira da consolidação jurisprudencial de certas respostas a demandas objeto de judicialização, em razão da lacuna observada em determinados ponto do diploma legislativo supracitado. Assim, o novo diploma, do ano de 2018, positivou alguns dos entendimentos já apresentados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas, de outro, afastou certas regras jurisprudencialmente definidas, trazendo outra regulamentação em seu lugar, como resultado do natural lobby que tem lugar no correr do processo legislativo.

    Não obstante, a despeito de todo o exposto, o mesmo STJ já se pronunciou a respeito da questão da aplicabilidade da nova lei a contratos firmados anteriormente a ela, decidindo que fica afastada a nova regulamentação, devendo os contratos pretéritos ser regidos pela redação originária da lei, combinada com a interpretação que a ela se conferia a jurisprudência.

    Posto isso, é possível passar a enfrentar as questões de mérito, por assim dizer.

    Em relação, primeiramente, ao assunto do adimplemento substancial, tem-se que se trata de uma teoria construída sobs as bases do princípio da boa-fé objetiva. De acordo com a teoria do adimplemento substancial, malferiria a boa-fé objetiva, configurando exercício abusivo de direito, a conduta da parte que, ante o inadimplemento mínimo e já muito próximo ao fim do pagamento das contraprestações da parte adversa, pretende se valer do descumprimento, a fim de rescindir o contrato. Ou seja, de acordo com essa doutrina, não seria dado a um dos sujeitos da relação obrigacional num excessivo formalismo, pretender fazer valer o direito à rescisão contratual, num cenário de quase adimplemento, de um adimplemento material ou, como convencionou-se chamar, de um adimplemento substancial.

    Essa ideia recebeu, de início, forte acolhida na jurisprudência, segundo a qual, impunha como requisitos ao seu reconhecimento, de um lado, o aspecto objetivo referente a uma alta porcentagem do contrato já ter sido cumprido, sem que se tenha pretendido, contudo, estabelecer um percentual específico, pois definição dependente do caso concreto (mas girando sempre próximo da casa dos 90%); e, de outro, um aspecto subjetivo, relacionado à boa-fé subjetiva daquele que incorreu no inadimplemento.

    Com o passar do tempo, tal teoria passou a receber mais e mais críticas, pois se passou a entender que implicava em um aumento do custos dos contratos, uma vez que a parte vendedora (promitente vendedora) passava a ter de considerar no custo do seu bem ou serviço a probabilidade de ter de arcar com os prejuízos afeitos ao reconhecimento de adimplementos substanciais, ainda que a aceitação dessa teoria jamais tenha significado a liberação do inadimplemente do pagamento das parcelas devidas, limitando apenas o direito da outra parte à rescisão contratual.

    A partir disso, verificou-se uma alteração na jurisprudência que passou a não mais aceitar a teoria do adimplemento substancial, não em todas as situações, mas ao menos de maneira expressa naqueles negócios a envolver a alienação fiduciária de bens móveis (regulamentada pelo Decreto Lei nº 911/69) e imóveis (Lei nº 9.514/97). Assim, não obstante não envolver o presente caso contrato de alienação fiduciária, a jurisprudência majoritária atual se mostra pela impossibilidade de aplicação da teoria do adimplemento substancial, sobretudo, frise-se, advindo tal pleito da parte promitente vendedora. Isso, pois não pode ser tida como hipossuficiente frente ao promitente comprador, em cuja defesa, no passado, costumava-se autorizar a invocação da teoria em comento.

    Dito isso, ante o inadimplemento culposo do promitente vendedor, o julgamento da ação deve ser pela rescisão contratual, com a devolução imediata e integral do valor pago, conforme jurisprudência do STJ, a qual autoriza abatimentos apenas na hipótese de inadimplemento com culpa do promitente comprador - o que não se verifica no presente caso. Tal pleito restitutório encontra fundamento na ideia da exceção do contrato não cumprido, positivado no art. 476, CC, assim como na vedação do enriquecimento sem causa, com base, em especial, no art. 845, CC. O que não se confunde com as figuras dos danos emergentes ou dos lucros cessantes, a compor a ideia de perdas e danos, pois desses não se trata, senão de mera repetição do que passa a ser um indébito, tendo em vista o término forçado do contrato.

    Trata-se, por outro lado, de perdas e danos, os lucros cessantes, objeto de pedido da parte autora. Estes são devidos, conforme jurisprudência do STJ, independentemente de prova de despesa da parte com aluguel ou demonstração de sua pretensão de locação do imóvel objeto do contrato de promessa de compra e venda. Segundo a Corte, presume-se o uso próprio ou a exploração econômica do imóvel, sendo devida a condenação ao pagamento dos alugueis que o autor poderia ter auferido desde o prazo final para entrega do apartamento, computado a dilação acordada, em montante equivalente a 1% do valor do imóvel por mês de aluguel.

    #PensemosARespeito

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